Num país parcialmente às escuras, o grupo Gaviota traça a estratégia para a recuperação. O vice-presidente Frank Oltuski revela a aposta em Portugal como um dos poucos mercados em crescimento em Cuba. Halal, “all-in” para todos e hotéis-escola estão na calha.
A pergunta partiu de um jornalista argentino com meio século de profissão, que preferiu contar uma história em vez de fazer perguntas. Recordou uma carteira com mil dólares esquecida num autocarro e a surpresa com que a recebeu intacta. “Isto demonstra uma segurança que se soma a todas as qualidades de que falavam”, disse, emocionado.
“O povo cubano tem na honestidade a sua maior qualidade”, respondeu-lhe o presidente do Grupo Gaviota, Carlos M. Latuff.
A cena, num palco moderno de um hotel de luxo durante a Bolsa Turística Destinos Gaviota 2025, resumiu o paradoxo cubano. Enquanto geradores asseguravam energia constante para três mil participantes internacionais, o resto da província de Villa Clara enfrentava apagões diários. Num país onde a luz falha, a honradez funciona como o último gerador — “não se importa e não se bloqueia”.

Um plano em sete frentes
Perante a queda histórica para 2,2 milhões de turistas em 2024, o pior resultado em 17 anos fora da pandemia, Latuff apresentou um plano de ação com a clareza de um militar. “Não ficámos de braços cruzados nem nos pusemos a chorar sobre a situação”, afirmou.
A primeira prioridade é renovar o produto. A partir de 1 de dezembro, o novo sistema “all-in” permitirá aos hóspedes dos resorts consumir em todo o Cayo Santa Maria, independentemente do hotel em que estiverem hospedados. Para garantir o abastecimento, a Gaviota criou a sua própria empresa importadora, uma forma de contornar limitações e negociar em mercados considerados voláteis. “Tivemos de ir comprar a mercados que não são seguros e temos conseguido”, sublinhou Latuff.
No campo digital, a aposta é numa resistência criativa. Através de uma parceria com a espanhola Hotel Tech, distribuem reservas online, mas continuam invisíveis na promoção internacional. “Não podemos pagar um plano de publicidade no Google. Mesmo que lhe dê um milhão de dólares, ele vai dizer-lhe que não”.
Internamente, a prioridade passa por recuperar a força de trabalho qualificada perdida após a pandemia. Para isso, foram criados hotéis-escola e programas de formação em conjunto com o Ministério da Educação.
No contacto com os mercados, a Gaviota trocou a lógica de “compro e vendo” por alianças estratégicas com empresas como a companhia aérea Iberojet e o grupo Ávoris, fundamentais para Portugal e Espanha.
A seleção de mercados-alvo também é pragmática: aposta em Espanha, Portugal, Canadá e América Latina, deixando de lado uma Europa continental considerada “perdida” devido às restrições de vistos ESTA impostas pelos EUA.
Finalmente, a sustentabilidade surge como arma. A empresa quer parcerias diretas com agricultores privados, pedindo-lhes que adaptem culturas para abastecimento contínuo dos resorts. “Vamos ao agricultor e dizemos-lhe: ‘Pode semear isto e aquilo’”, explicou Latuff.
De Portugal a Varadero, passando pela bicicleta e pelo halal
É neste plano que Portugal ganha destaque. O vice-presidente Frank Oltuski confirmou: “O mercado português é um dos poucos em alta este ano, fruto do trabalho conjunto com operadores turísticos e cadeias como a Meliá e a Vila Galé”. O crescimento ainda não atingiu o desejado, mas é uma vitória rara num cenário europeu hostil. “Há uma campanha muito forte contra o desenvolvimento do turismo cubano”, lamentou, sublinhando que a resposta é mostrar a verdadeira realidade de Cuba.
A conferência de imprensa foi montada para esse efeito. Transformou-se num laboratório de micro-diplomacia, onde as perguntas moldaram a própria oferta. Questionado sobre circuitos de bicicletas junto aos resorts, Latuff admitiu que “já há caminhos pensados”. Sobre o turismo halal, foi igualmente direto: “Se tivermos de fazer um hotel sem álcool, fazemos. Precisamos é de clientes.”
Neste espírito de ação rápida e pragmatismo enquadra-se o anúncio final: a próxima edição da Bolsa Turística Destinos Gaviota, em 2026, decorrerá em Varadero. O destino concentra 39% do turismo internacional de Cuba, mas há anos que sofre com hotéis envelhecidos. “Este evento implica sempre que os hotéis sejam renovados. Temos alguns dos mais modernos e alguns dos mais históricos, e todos têm de ser elevados a um nível de excelência”, admitiu Oltuski.
A escolha de Varadero, que já foi o destino favorito dos portugueses, é a materialização máxima da estratégia de recuperação. A pressão de receber uma bolsa turística internacional obriga a uma revitalização acelerada, usando a credibilidade como alavanca de desenvolvimento. É a diplomacia da experiência aplicada a grande escala, onde os nichos — do ciclismo ao halal — convergem na reconquista do principal destino de “sol e mar” do país.
O peso da história
De Cayo Santa María a Varadero, o percurso traça o mapa da ambição de sobrevivência do turismo cubano. O plano inclui desde celebrações de casamento no mar das Caraíbas a hotéis para famílias com crianças, passando por ecoturismo e excursões até às serras e selvas da ilha.
A reinvenção da Gaviota só se entende à sombra de seis décadas de bloqueio. Em 1959, Fidel Castro imaginava um “turismo massivo e saudável” para substituir os casinos e bordéis da era pré-revolucionária. Sessenta e quatro anos depois, o cerco norte-americano mantém-se, ao mesmo tempo que 60% do orçamento estatal continua a ser aplicado em saúde e educação. Sendo o turismo a segunda fonte de receita do país, a sua recuperação é também a da própria estrutura social.
A estratégia atual procura fugir à dicotomia entre enclaves turísticos fechados e abertura total. Latuff fala num “terceiro caminho”: resorts que funcionam como base para excursões e que integram agricultores locais nas cadeias de abastecimento, criando uma relação mais autêntica e distribuída.
Na conferência, a última pergunta foi simples: por que razão continuar a visitar Cuba? Latuff respondeu: “Cuba é um paraíso em termos de segurança e simpatia. O sol queima, mas queima com ternura”.
A Bolsa de Turismo foi, no fundo, a encenação meticulosa deste valor. Cada gerador a roncar nos bastidores lembrava a crise; cada aperto de mão era um antídoto. Cuba não vende apenas praias e sol. Vende confiança, honestidade e a promessa de que, mesmo nas sombras, continua a ser um paraíso.
Ver também: Travelplan antecipa começo dos charters para Cayo Santa Maria para 24 de Março
O PressTUR viajou a convite da Travelplan
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