O Vê Portugal IX Fórum de Turismo Interno, que decorreu de 29 a 31 de Maio na Covilhã, contou com um debate onde foram discutidos os “Caminhos para o Futuro do Turismo Interno”, com Pedro Costa Ferreira, presidente da APAVT, Ana Jacinto, presidente da AHRESP, e Adolfo Mesquita Nunes, ex-secretário de Estado do Turismo.
O debate, com ‘moderação’ de Sara Taínha, abordou temáticas tão dispersas como o papel do turismo na economia portuguesa, a situação actual das empresas do sector, os recursos humanos e a remuneração, a carga fiscal, e até o aeroporto.
A intervenção de Ana Jacinto começou com um vídeo com sugestões por parte de alguns representantes de empresas da associação, destacando as mais-valias de Portugal para os negócios neste segmento, a necessidade da criação de parcerias, os acessos, e a promoção da sustentabilidade associada à qualidade dos produtos e serviços.
Seguiu-se um enumerar dos monumentos que existem em território português, afirmando que estão muito bem distribuídos por todo o país e que apenas 250 em 38.015 estão abertos ao público.
Pedro Costa Ferreira, no seguimento desta apresentação e quando questionado por Sara Taínha, sobre se o turismo e a cultura estão de costas voltadas, afirmou que “acho que não”, embora haja “pouca capacidade para aceder”, apontando um problema particular que é o de tentar manter as pessoas afastadas dos monumentos para os proteger.
O presidente da APAVT teve ainda a sobriedade de explicar dois pontos evidentes, não é possível o turismo e a cultura estarem de costas voltadas porque o turismo faz parte da cultura, e que a cultura não se limita a monumentos, mas sim a experiências e vivências relacionadas com a identidade de um povo. “O turismo é o amor pelas diferenças”, continuou, acrescentando que há mais amor pelas diferenças se soubermos quem somos.
Questionado por Sara Taínha sobre se o Governo tem ‘cabeça para o turismo’, Adolfo Mesquita Nunes apontou o turismo como o principal responsável pela revisão em alta da evolução da economia portuguesa por parte da Comissão Europeia e afirmou ainda que é o sector que mais emprego gera, e que foi a solução para muitas pessoas que ficaram sem emprego e sem oportunidades há 10 anos, aquando do Governo formado pela coligação PSD/CDS-PP, do qual fez parte como secretário de Estado do Turismo.
Mesquita Nunes acrescentou que entende que actualmente há muita coisa errada na “forma como o sector do turismo, do ponto de vista político, se posiciona”, no entanto, não especificou, afirmando que está “quase sempre à defesa, e não devia ser à defesa, devia ser no sentido afirmativo”.
O ex-secretário de Estado insurgiu-se contra as opiniões que afirmam que só países do terceiro mundo é que têm uma cultura de turismo tão forte, ou que Portugal tem uma monocultura do turismo, e que esta é a principal causa de a economia portuguesa não ser mais forte.
“As outras actividades económicas é que não são tão fortes como o turismo”, afirmou o ex-secretário de Estado do Turismo, acrescentando uma comparação invulgar, de que “se tivessem sido seguidas políticas, como foram para o turismo, nas outras actividades económicas, provavelmente elas também estavam a crescer tanto”.
Terminou a sua intervenção acrescentando mais um problema político que é o de não se olhar para o turismo como “aquilo que ele é”, o motor da economia nacional.
Sara Taínha afirmou que os resultados apresentados pelo actual secretário de Estado demonstram que temos os primeiros três melhores meses de sempre, mas questionou a presidente da AHRESP sobre se as empresas estão a sentir isso. “Foi assim tão bom?” perguntou.
Ana Jacinto afirmou que sim, sublinhando recordes e números, mas acautelando as perspectivas e recomendando prudência, porque há muitas micro-empresas que ainda estão fragilizadas devido ao impacto da pandemia. “O facto de termos procura não significa rentabilidade nas empresas e não significa capacidade de investimento”, afirmou a dirigente, lembrando a inflação na restauração, que não está a acompanhar a inflação dos produtos alimentares, algo que entende que não se sente tanto no alojamento, que conseguiu aumentar preços.
Acrescentou ainda que, “obviamente todos os outros custos estão a aumentar e continuam a aumentar, designadamente os custos salariais”.
Pedro Costa Ferreira, questionado sobre se mantém as previsões de que o Verão de 2023 pode ser pior do que de 2022, afirmou que “estou optimista por causa da realidade, mas estou preocupado por causa da análise que faço da realidade”.
O presidente da APAVT afirmou que, de um modo geral, 2022 foi melhor do que 2019, e que em 2023, “de uma forma muito generalizada” estamos melhor do que em 2022, e que “melhor era um bocadinho impossível, e aliás, quando se fala que a recuperação da economia portuguesa, ou das boas surpresas do crescimento da economia portuguesa, se devem ao turismo, é por isto mesmo”.
Explicou ainda que isto também se aplica ao turismo interno, que “sempre que falamos em turismo, falamos sempre muito em turismo interno, porque quando nós falamos dos maiores mercados emissores, esquecemos sempre que o maior mercado emissor e o mais importante, e penso que, se calhar o mais acarinhado, é o turismo interno”.
“Em todo o caso continuo preocupado porque a inflação está aí, e significa aumento das taxas de juro e perda do poder de compra”, lembrou também que “a guerra também está aí, e enquanto a guerra estiver aí vai escalar, ou pode escalar”, alertando ainda que “o mais perigoso de tudo é nós acharmos que já está quase inserida na normalidade da nossa vida, mas a verdade é que a guerra, enquanto durar, a probabilidade de escalar é enorme”.
As cicatrizes da crise nos balanços das empresas é outro dos problemas apontados pelo dirigente, afirmando que a “recuperação é a demonstração de resultados, portanto vamos ter que ter várias demonstrações de resultados com este clima favorável para chegarmos ao balanço de 2019”.
Quando questionado sobre o problema dos recursos humanos no turismo, Adolfo Mesquita Nunes apontou duas ideias chave para resolver o problema, “requalificar e reabilitar o sector do turismo do ponto de vista do discurso e das políticas”, afirmando que “não é possível trazer pessoas para o turismo quando nós dizemos a toda a gente para se vir trabalhar, ou não é um sector importante da nossa economia, e esta política passa”.
O segundo ponto, segundo o ex-secretário de Estado, é o de “o Estado, num aumento de salário, fica com metade, o empresário que queira aumentar, premiando alguém que está a trabalhar mais, o ganho com que o trabalhador fica é incomparavelmente menor do que aquilo que é o dispêndio que o empresário tem, porque o Estado fica com tudo. Como é que depois o Estado pode vir criticar que os salários não estão a crescer como deviam estar a crescer quando é o Estado que fica com metade, a partir de um determinado valor, dos 800 euros, fica com metade”.
“É necessário alterar a política fiscal e de contribuições”, continuou, explicando que, apesar de, na sua óptica, haver empresários que não estão a conseguir aumentar, os que podem não aumentam porque acreditam que a “proporção não se justifica”.
O ex-secretário de Estado do Turismo afirmou ainda que o sector do turismo “é um sector muito pulverizado de pequenas e médias empresas, e portanto ainda que nós estejamos a falar de grandes números… é verdade que há alguns grupos empresariais mais robustos… mas quando se olha para os números do turismo nós não estamos a falar de um número concentrado em 7/8 empresas, estamos a falar de números que podem impressionar pelos seus milhões, mas que depois são divididos por vários milhares”, explicando que esta situação “muitas vezes não nos dá a real noção de como os empresários estão a viver, era também importante que nós olhássemos para esta realidade e tivéssemos um discurso mais conforme”.
“E se calhar, não podemos manter artificialmente empresas com ajudas do Estado quando elas já não conseguem”, continuou, definindo que “em Portugal é assim: se uma empresa dá lucro nós não gostamos porque a empresa está a dar lucro e portanto são milhões; se a empresa está na falência nós vamos lá dar dinheiro e vamos lá apoiar o que temos de apoiar nas empresas, e entramos num ciclo vicioso que não se permite que a economia faça a sua regeneração”.
“É normal que haja empresas que já não estão em condições de continuar e é normal que possam sucumbir”, concluiu.
A ‘moderadora’ pediu exemplos práticos a Ana Jacinto sobre a “real noção” de como as empresas estão a viver, bem como os trabalhadores, perguntando “porque é que não querem trabalhar na restauração”.
“Eu concordo com quase tudo o que disse o Adolfo”,afirmou a dirigente da AHRESP, sublinhando o problema de carga fiscal do país, com “dados recentes da OCDE que voltam a dizer que Portugal é um dos países com maior carga fiscal sobre o trabalho”, algo que afirmou que a AHRESP tem “sinalizado constantemente, e que se sente a falar um bocadinho para o boneco, porque não há acolhimento nenhum ao tema, sendo que sabemos todos que tivemos um superávite ao nível fiscal e poderíamos ter feito alguma coisa ao nível dos impostos sobre o rendimento, que faríamos muito bem”.
“Temos muitas empresas que querem aumentar os colaboradores”, afirmou Ana Jacinto, antes de partilhar a sua noção de que “aumentando os colaboradores não é só o facto de a margem não justificar, é que eles [os trabalhadores] saltam de escalão e aquilo que ganham a mais passam a receber a menos, e ao nível dos prémios, é tudo um contra-senso, portanto isto tem de ser, de facto revisto, e tem de ser repensado”.
“Mas não nos vamos centrar na questão dos salários, porque os salários, além de termos feito um esforço enorme, aliás a CTP assumiu um acordo que tem a ver com o aumento salarial, a AHRESP assinou acordos com os sindicatos pelos aumentos salariais, assinamos com as duas estruturas sindicais, portanto, se assinamos com as duas estruturas sindicais que representam os trabalhadores é porque eles estão confortáveis com os aumentos que nós demos aos trabalhadores, portanto este esforço já está todo feito”, afirmou a dirigente, acrescentando que “o mercado também funciona, nós não conseguimos arranjar trabalhadores se não pagarmos mais e melhor. Podíamos pagar mais ainda? Sim, com toda a certeza, se a carga fiscal diminuir. Mas não nos vamos reter só no problema salarial, porque há muitas questões que têm de ser discutidas e têm de ser resolvidas”.
A questão dos horários, da organização dos horários e da dureza destas actividades, são situações que para Ana Jacinto também podem e devem ser melhoradas, algo que “tem que ver com a capacitação dos nossos empresários e com a formação, que tem de ser melhorada”. A dirigente afirmou ainda que os encargos aplicados nesta solução numa primeira fase acabam por compensar a médio e longo prazo com os seus benefícios.
Em relação à questão dos recursos humanos no turismo, o presidente da APAVT afirmou que “em primeiro lugar eu gostava de tentar desmistificar esta ideia de que as pessoas não querem trabalhar no turismo, apesar de tudo”, afirmando que “há uma diferença muito grande entre a dinâmica de recuperação da procura e as dinâmicas do mercado de trabalho”.
Esta noção está relacionada com o facto de ter havido “uma recuperação da procura turística, e o ajuste do mercado de trabalho é mais difícil”, é uma adaptação que não se consegue no mesmo período de tempo.
No que diz respeito à remuneração, o presidente da APAVT sugeriu uma perspectiva do ponto de vista do trabalhador, em vez de se questionar se se paga mal, é mais importante questionar se se recebe bem ou mal, porque isto permite distribuir a responsabilidade pelo empregador e o Estado.
“Se eu pudesse mudar alguma coisa do ponto de vista fiscal em Portugal era na tributação sobre o trabalho, primeiro porque estimulava a procura numa altura em que, com a subida das taxas de juro, temos problemas desse lado, punha poder de compra nas pessoas, o que me parece mais equilibrado do que ajudá-las, tirando primeiro o dinheiro para depois dar uma parte dele, e por outro lado permitia que, do lado das empresas, quando se pagasse melhor significava que os seus colaboradores recebiam melhor”.
O presidente da APAVT afirmou ainda que com esta solução fiscal, será necessário também uma política de imigração coerente para resolver a questão dos recursos humanos, sendo que é uma medida que demora mais tempo a dar resultados, devido às necessidades dos trabalhadores a nível de formação, bem como de alojamento, o que é particularmente complicado em zonas turísticas.
Em relação a acções governamentais que podem ser tomadas, o presidente da APAVT apontou a situação dos encargos fiscais, o fortalecimento da organização estrutural do turismo, que considera um exemplo de descentralização com sucesso, e a diferenciação positiva que o Interior tem recebido, que é uma medida bem acolhida e que permite crescer ao gerir a pressão turística.
No que diz respeito à questão do aeroporto, Adolfo Mesquita Nunes criticou o período de indecisão que se vive em torno desta situação, afirmando que é preferível decidir mal do que não decidir, explicando que se a decisão for má pode-se voltar atrás, mas se não for tomada, perde-se tempo, uma perspectiva que coloca o tempo no centro da questão, excluindo todos os outros factores, económicos, sociais, ambientais, estratégicos, entre outros.
Pedro Costa Ferreira sublinhou a importância do aeroporto para as regiões interiores, visto que é o ponto de chegada preferencial dos visitantes “long-haul”, que têm uma estada média superior.
Em relação aos apoios e às linhas de financiamento atribuídas pelo Governo, Adolfo Mesquita Nunes, convidado a dar a sua opinião, afirmou que a monitorização dos mesmos não está a ser feita, e que grande parte vai para o sector público quando o ex-secretário de Estado do Turismo considera este sector um sector privado, rematando, “o pior da democracia não é a lei, são os burocratas”.
Ana Jacinto, na mesma linha, reforçou o problema da burocracia, chegando a afirmar que se não fosse a AHRESP e outras instituições, nada daquilo que foi dado pelo Estado chegaria às micro empresas.
Em relação a destinos portugueses com potencial de crescimento, Pedro Costa Ferreira elege “praticamente todos, principalmente o interior e as zonas de baixa densidade”, sendo que o desafio é crescer em valor, alertando para as comparações feitas entre o crescimento de número de dormidas, ou visitantes, e o crescimento das receitas que não têm em conta a inflação.
O caminho, para o dirigente, passa pela estruturação descentralizada de produto, com propostas para turismo activo, e com a capacidade de personalização, de tornar o cliente mais único, e isso pode ser alcançado aliando o toque humano à eficiência da tecnologia.
Em relação à sustentabilidade, Adolfo Mesquita Nunes deu o exemplo da falta de água, explicando que na sua óptica Portugal tem duas zonas com problemas de seca, o Algarve e o Alentejo, mas que no resto do país esse problema não se verifica. Para o ex-secretário de Estado do Turismo, a solução é conseguir fazer o transporte da água entre as regiões.
Pedro Costa Ferreira sublinhou que o problema é, de facto, a falta de água, e que a solução para este problema está na tecnologia.
Ana Jacinto, por sua vez, indicou que as empresas já estão a fazer o seu percurso nesta área, e que o turismo sempre foi pioneiro na sustentabilidade.
Adolfo Mesquita Nunes terminou as suas intervenções afirmando que empresários e trabalhadores foram exemplares na forma como sobreviveram à crise e a uma pandemia.
Pedro Costa Ferreira afirmou que Portugal ‘ganha’ mais no turismo do que noutras actividades económicas porque “somos mais fortes” no turismo, uma actividade que classifica como “um exemplo de cooperação público-privada”, acrescentando que “isso é uma chave do sucesso”.