Leia o artigo de opinião de Carlos Paneiro, consultor de aviação.
Ultrapassado o período da maior crise da sua história, não há memória de uma conjuntura tão perfeita para as companhias aéreas maximizarem as suas receitas como aquela que encontraram no Verão que está prestes a terminar.
Na ressaca da pandemia, a procura explodiu de forma totalmente imprevista, esgotando a capacidade instalada e conduzindo a situações de rutura em vários aeroportos. Como consequência, a generalidade das companhias aéreas aumentou as suas tarifas, podendo, assim, contrariar o ciclo de queda do yield (note-se que as receitas unitárias globais da indústria diminuíram, em média, cerca de 2% ao longo dos últimos vinte anos). E, para aquelas com vendas significativas em mercados indexados ao dólar americano, a maior valorização dessa moeda face ao euro nos últimos vinte anos trouxe ganhos cambiais muito significativos.
A questão que agora se coloca prende-se com as expectativas para o pós-verão, quando o segmento de procura de viagens de lazer, de sazonalidade muito pronunciada, abranda significativamente os volumes de reservas.
Se do lado dos custos o preço do combustível é a variável que mais condiciona os resultados das companhias aéreas – em que a tal valorização do dólar americano agrava ainda mais o problema – do lado da receita o comportamento da procura do segmento corporate ou de negócios irá ditar em que medida a receita estará em condições de minimizar eventuais perdas.
Historicamente, as companhias aéreas têm conseguido recuperar parte do aumento do custo em combustível por via de aumento dos seus preços (fuel surcharge) e medidas diversas de redução de custos. Ao invés, em conjunturas de preço do combustível baixo, o consumidor tem beneficiado de preços mais favoráveis. Assim se compreende que ao longo do tempo se verifique uma quase perfeita correlação entre a receita unitária (RASK) e o custo unitário (CASK), independentemente do preço do combustível. Porém, uma análise feita pela Bloomberg sugere que o recente aumento das tarifas aéreas dificilmente compensa o aumento do custo das operações de muitas companhias aéreas e que a elasticidade da procura face ao preço encontra-se esticada ao máximo.
Muitos apontam que uma percentagem do segmento corporate – que tende a viajar nas cabines premium e compram as tarifas mais flexíveis (e mais caras) – poderá nunca voltar, fruto dos novos hábitos de trabalho adquiridos durante a pandemia. A ser verdade, resta saber qual a porção daqueles que aderiram às plataformas digitais em detrimento dos contactos in person, contribuindo para um quadro competitivo ainda mais intenso pela conquista de um menor volume de passageiros de elevado yield.
Os números disponibilizados nos EUA apontam que o tráfego corporate representa menos de 20% do total de passageiros naquele país, mas contribui para cerca de metade da rentabilidade das companhias aéreas americanas. A situação para muitas das companhias aéreas da Europa não será muito diferente. Isso explica porque as diferentes companhias aéreas, particularmente as de rede ou full-service, competem fortemente entre si para conquistar aumentos de market share nesse segmento que conduzam ao desejável aumento da receita unitária.
Todos têm ainda presente que, como consequência das companhias aéreas low-cost terem mais que duplicado a sua capacidade na última década, o yield do tráfego intraeuropeu registou uma queda em cerca de 40%, o que valoriza ainda mais a importância do segmento corporate na rentabilidade da indústria.
Será, por isso, interessante observar que ajustamentos as companhias aéreas farão nas suas políticas comerciais para aumentar a sua competitividade neste segmento, agora numa conjuntura económica adversa e perante as dúvidas sobre a recuperação e tipo de comportamento dos que viajam por motivos de negócios. É que, segundo os dados recentemente disponibilizados pela OAG, as companhias aéreas parecem continuar otimistas quanto ao comportamento da procura, pois a capacidade mundial disponibilizada para o mês de Outubro está apenas 9% abaixo daquela que se verificou em 2019.
Até aqui, muitas companhias aéreas têm privilegiado acordos comerciais com os seus clientes-empresa que aplicam descontos sobre tarifas já por si bastante competitivas. Esses descontos, relativamente uniformes para a maioria dos seus clientes, em função da expectativa do volume de receita, não garantem a lealdade e elevado grau de compromisso que as companhias aéreas ambicionam e, em sentido contrário, podem deteriorar as suas margens. No atual contexto macroeconómico isso seria extremamente crítico.
Apesar dos descontos comerciais serem ainda uma arma comercial não negligenciável, muitas companhias aéreas passaram a introduzir novas vantagens nos acordos comerciais, combinando o mix certo de descontos e serviços de acordo com as características e necessidades de cada cliente-empresa. Exemplos desses serviços, também chamados de soft dollars, são o acesso aos lounges nos aeroportos, o embarque prioritário, o upgrade para classes premium ou a oferta de estatuto top tier nos programas de fidelização. Desta forma, ao oferecer serviço em detrimento de desconto, as companhias aéreas protegem as suas receitas.
Este tipo de acordos comerciais, em convergência com os investimentos em customer experience, seriam os mais adequados para fidelizar clientes que privilegiam flexibilidade e serviço.
Mas, recorde-se, a presente conjuntura económica é diferente e a crise provocada pela pandemia introduziu novas formas de trabalho: home office, online meetings, nómadas digitais, etc. Serão esse tipo de acordos comerciais suficientes para alavancarem a procura desse segmento? Serão suficientes para conquistar quotas de mercado e aumentar a fidelização dos clientes-empresa? São os adequados para competir em mercados estrangeiros cujas home carriers impõem os seus programas de passageiro frequente e a força das suas alianças?
Esta parece ser novamente uma oportunidade para inovar e/ou importar fórmulas de outras indústrias. Nesse campo poderá ser recomendável olhar para o modelo de negócio das private jets, em particular no âmbito dos prepaid membership programs.
O negócio de private jets, com especial ênfase no mercado norte americano, está em claro crescimento apresentando um volume considerável, quer em número de aeronaves quer em número de operadores. Contrariamente à indústria da aviação comercial regular naquele país, é altamente fragmentado.
Numa crescente tentativa de “democratizar” o negócio e chegar a mais clientes-empresa, ameaçando parte do negócio das companhias aéreas regulares, as companhias de private jets lançaram no mercado os chamados prepaid jet card flights. Este produto garante acesso a um produto de excelência cujo desconto será maior quanto mais horas de voo forem compradas antecipadamente. Em simultâneo, garantem aos operadores uma receita antecipada significativa que faz as delícias dos respetivos CFOs e que é utilizada para realimentar o negócio.
Imagine-se este produto adaptado à aviação comercial: por um valor pago antecipadamente, um cliente-empresa passa a usufruir de um crédito que vai sendo deduzido em função dos voos realizados, cujo preço deverá ser pré-determinado por tipo de percurso realizado e classe de serviço utilizada.
Na tal tentativa de incentivar a procura, conquistar share, novos mercados e fidelizar os clientes, este tipo de produto poderá ter uma eficácia acrescida na presente conjuntura, contribuindo para atenuar a sazonalidade e o aumento das margens das companhias aéreas.
Carlos Paneiro