De acordo com a IATA (Press Release nº 68 de 06 Dez. 23), a indústria da aviação comercial, em 2023, deverá ter obtido, globalmente, um lucro de 25,7 mil milhões de USD, correspondente a um aumento das receitas de 7,6% e a um aumento dos custos de 6,9%, comparativamente ao ano anterior.
Apesar de tratar-se de um aumento de 10,3%, ainda assim esse lucro corresponde a uma margem de apenas 2,7% (foi de 2,6% em 2022). Citando o diretor geral da associação das companhias aéreas, Willie Walsh, “os lucros da indústria devem ser colocados na perspetiva adequada. Embora a recuperação seja impressionante, uma margem de lucro líquido de 2,7% está muito abaixo do que os investidores de quase qualquer outro setor aceitariam. Em média, as companhias aéreas reterão apenas 5,45 USD por cada passageiro transportado”.
Efetivamente, uma margem de 2,7% situa-se bem abaixo do custo do capital no atual quadro inflacionista e de taxas de juro elevadas e prova que, apesar da forte e rápida recuperação na sequência da recente crise pandémica, a indústria continua a operar num contexto extremamente frágil.
Obviamente que devemos ter em consideração que estes dados correspondem à indústria como um todo e que, como em quase qualquer média, existem situações individuais bem distintas. A análise aos dados por região permite verificar que a América do Norte é onde se regista o maior volume de lucro (14,3 mil milhões de USD) e que, ainda assim, a margem obtida foi de apenas 4,2%. Na Europa, com um lucro de aproximadamente metade do volume da norte americana (7,7 mil milhões de USD), a margem terá sido de 3,5%.
Tais margens significam que os recentes aumentos substanciais do número de passageiros transportados e do volume de receitas foram acompanhados de um não menor aumento da oferta e, consequentemente, dos custos que lhe estão associados.
Parece ser comumente aceite que o período de crescimento exponencial pós pandemia terá já terminado. Apesar das variações significativas que o ano 2023 no seu conjunto apresenta, deverá ter-se em atenção que tal resulta de uma forte variação positiva no primeiro semestre do ano, dado que o primeiro trimestre de 2022 ainda sofria sob efeito pandemia. Por isso, será interessante analisar os resultados obtidos em cada período, em particular os do último trimestre, para podermos, de alguma forma, estimar como poderá evoluir o desempenho da indústria ao longo do presente ano e quais são os seus principais desafios.
Seguindo esta linha, a Ryanair, por exemplo, conforme noticiou o Expresso a 29 de Janeiro, “encerrou o seu terceiro trimestre do ano fiscal de 2024, terminado a 31 de dezembro, com um lucro de 15 milhões de euros, (…). O resultado representa uma queda de 93% face ao mesmo período do ano passado, altura em que a empresa lucrou 211 milhões de euros”.
Isto é, mesmo transportando mais 7% de passageiros e de, apesar do seu coeficiente de ocupação (load-factor) ter diminuído 1 p.p. (92%), ter obtido uma receita equivalente a mais 17% à do mesmo período do ano anterior, a companhia aérea de baixo custo irlandesa viu os seus custos operacionais aumentarem 26%, resultando num prejuízo operacional de 18,9 milhões de euros (-112%), em grande parte explicado por aumentos expressivos dos custos em combustível (+35%) e em pessoal (+30%), os quais, em conjunto, corresponderam a quase 60% dos seus custos operacionais.
Quanto às reduções do coeficiente de ocupação e da tarifa média no período do Natal/Ano Novo, essas estarão associadas à guerra que a companhia aérea tem vindo a desenvolver com o que apelida de “OTAs piratas” e que se traduziu na retirada dos seus voos de alguns websites no início de Dezembro.
Enquanto isso, nos EUA, a United Airlines divulgou que obteve um lucro de 2,6 mil milhões de USD e uma margem de 4,9% em 2023. Porém, no que respeita ao último trimestre do ano, apesar de ter obtido um expressivo lucro operacional de 998 milhões de dólares, o mesmo ficou 27,5% aquém daquele que obteve no período homólogo de 2022, pois os seus custos operacionais aumentaram 14,6%, impulsionados por um aumento de 28% nos custos de pessoal, enquanto as receitas operacionais cresceram apenas 9,9%. Consequentemente, a margem líquida no trimestre baixou de 6,8% para 4,4%.
A conclusões semelhantes chegamos quando analisamos os resultados da Delta Airlines: os seus custos operacionais cresceram mais do que as receitas operacionais (23% versus 6%), a fatura dos custos com pessoal aumentou 23% e o resultado operacional (1,3 mil milhões de dólares) foi 10% inferior ao que obteve no quarto trimestre de 2022.
O significativo aumento dos custos com pessoal, resultante não só do aumento da atividade, mas também da reposição dos cortes salariais resultantes da crise Covid-19, é comum a estas três companhias aéreas. O fato da sua variação percentual ser superior ao da receita operacional parece ser perfeitamente entendível pelo fato das reposições salariais terem sido implementados ao longo do ano, afetando principalmente o segundo semestre, enquanto a recuperação acelerada da receita foi iniciada em momento anterior, mais concretamente, cerca de um ano antes.
Daqui se conclui que até meados de 2023 as companhias aéreas viveram um período em que os seus custos com pessoal estavam subvalorizados. Com a reposição e aumento dos salários, bem como com o reforço de efetivos por força do aumento da atividade, esses custos tendem, em termos reais, a aproximar-se do que eram antes da pandemia, renovando-se os desafios para uma indústria que enfrenta riscos económicos, sociais e políticos acrescidos.
Enquanto isso, no lado das receitas, constata-se que a reposição da oferta tende a estabilizar, que o recente aumento significativo das tarifas médias (yield) deixou de se verificar e que os coeficientes de ocupação tendem a baixar ligeiramente, resultando numa redução das receitas unitárias (RASK). Com o custo unitário (CASK) a aumentar, as margens tendem a diminuir e a apresentarem valores mais próximos dos tempos pré-pandemia.
Pegando novamente nos casos da United Airlines e da Delta Airlines, verifica-se, no quarto trimestre do ano, aumentos da procura (RPM) inferiores aos da oferta (ASM), que conduzem a reduções nos coeficientes de ocupação, -2,9 p.p. e -1 p.p., respetivamente. Conjuntamente com uma variação nula do yield no caso da United e de uma variação negativa de 2,1% no caso da Delta, resultou em quebras da receita unitária de passageiros (PRASM) de 3,3% e 2,8%.
Em face desta tendência, apesar das estimativas globais estarem sob influência do continente asiático, onde a recuperação do sector começou a acontecer mais recentemente, poderão considerar-se algo otimistas as perspetivas da IATA para 2024 ao estimar um aumento da receita de passageiros (+12%) – com o yield a crescer 1,8% e o load factor 0,6 p.p. – superior ao dos custos operacionais (+6,9%) e custos excluindo combustível (+1,6%). Para a América do Norte e para a Europa, prevêem-se reduções das margens líquidas para 4,0% e 3,3%, respetivamente, numa indústria cada vez mais pressionada por regulamentações, nomeadamente ambientais, que se traduzem, entre outros, no objetivo autoimposto de emissões zero até 2050 (Fly Net Zero), cuja crescente adoção do Sustainable Air Fuel (SAF), por si só, fará aumentar a fatura do combustível em 2,4 mil milhões de dólares no corrente ano.
A não se confirmarem estas estimativas otimistas, intensificam-se os desafios para os gestores das companhias aéreas que, agora, em face dos novos hábitos de trabalho on-line e da consequente redução do segmento de viagens por motivos de negócio, deparam-se com picos de sazonalidade mais pronunciados e geradores de mais complicações na gestão dos recursos.
Um estudo recentemente disponibilizado pela McKinsey (“How airlines can handle busier summers—and comparatively quiet winters”), afirma que, na Europa, em 2019, as companhias aéreas disponibilizaram mais de cerca de 50% de lugares em Agosto do que em Fevereiro, e que, em 2023, como consequência da atual sazonalidade mais acentuada, essa diferença foi de 65%, e que as cinco principais companhias europeias fazem 30% da sua receita anual e 65% do seu lucro operacional durante o terceiro trimestre do ano.
Tal sazonalidade coloca as companhias aéreas sob o dilema de providenciar os recursos (aviões e trabalhadores) necessários para aproveitar esses fortes fluxos de procura do terceiro trimestre, podendo os mesmos ficar subaproveitados e geradores de prejuízo durante o resto do ano, ou recorrerem à terceirização dessas operações, fretando aviões, chamados de wet leases ou ACMI, que, apesar de parecerem dispendiosas, podem tornar-se na solução economicamente mais favorável, desde que cumpridos os critérios de confiança, segurança e qualidade de serviço ao cliente.
Num cenário em que a inflação e os custos financeiros continuam num patamar elevado, os últimos fazendo com que as margens líquidas cresçam a um ritmo bem mais lento do que as margens operacionais, e em que a situação de guerras introduz um elevado grau de incerteza, será de esperar um renovado controlo dos custos de pessoal e outros custos fixos, bem como no elevar do cuidado da política de gestão de risco do preço do combustível (fuel hedging).
Para alavancar as suas receitas, as companhias aéreas deverão reforçar a aposta na venda de serviços auxiliares (ancillaries), cujas margens são geralmente mais elevadas, e em programas de fidelização. Com isso, devemos assistir a um maior investimento em inovação e em ferramentas de distribuição e serviço self-service de forma a proporcionar uma melhor experiência e uma maior interação direta com um cliente digital cada vez mais exigente.
Carlos Paneiro
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